segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Coração de Cristal de Werner Herzog




Novamente, Herzog.
Para mim, o cinema sempre funcionou na individualidade. Nunca apreciei ir às salas de cinema apinhadas de gente que se comprazem com o filme passado na grande tela e fazem mais barulhos e movimentos do que o próprio filme. Apenas quando o cinema estava deserto, com pouquíssimas pessoas é que me sentia confortável e encontrava um modo de apreciar esteticamente o momento. Até mesmo ir ao banheiro e visualizar o chão ladrilhado em preto e branco causava esta sensação de beleza. Estranho isso, eu acho.

Este filme de Herzog possui esta possibilidade de uma apreciação estética extremamente individual. Como sempre, Herzog abusa das grandes paisagens naturais para compor sua visão da existência humana. Coração de Cristal inicia-se com um homem solitário contemplando a imensidão do horizonte e depois o movimento hipnótico de uma imensa cascata. Ele sente-se atraído pela vertigem que aquele movimento causa: “Ela me atrai, me succiona ao fundo. Eu começo a cair. Eu caio, eu caio, eu tenho vertigem do cair”. Se o olhar prender-se no movimento da água, a sensação de abismo se instala. O sentido hipnótico das cenas irá dominar o filme do início ao fim. Herzog consegue criar uma nova dimensão dentro de seu cinema: a dimensão paralela de uma realidade mental que se constrói a partir da realidade concreta, mas que vai sempre além e só é possível de se instalar na solitude.

Este homem solitário – meio profeta, meio eremita – encontra-se com um pequeno grupo que diz que um tal de Rup viu gigantes. Ele diz: “Quando nada muda, vocês acham que isso é uma benção”. Sua visão do futuro será uma chave importante dentro da trama do filme.

O vidraceiro Mühlbeck faleceu e com ele se foi o segredo de produzir o vidro-rubi. A pequena cidade concentra esforços para tentar descobrir o segredo que Mühlbeck levou consigo para o túmulo. A ideia de Herzog é genial: o vidro-rubi, uma maravilha artística, desaparecerá para sempre do mundo se não conseguirem o segredo de sua produção. Creio que Herzog transfere o mito da pedra filosofal alquímica para o universo da vidraçaria: mudar as substâncias da natureza, transmutar sua essência como um símbolo para a transformação espiritual do homem.

Um jovem vidraceiro, obcecado pelo segredo do vidro-rubi, decide escavar a casa de Mühlbeck em busca do segredo. Possivelmente o velho mestre tenha escondido o seu segredo. Diversas tentativas de reproduzir o vidro são feitas, mas apenas a frustração invade o coração de todos. Quando a busca se torna em obsessão aguda, um comportamento patológico se abate sobre a cidade.

Infelizmente, para quem foi educado esteticamente através da velocidade dos filmes de Hollywood, será quase impossível apreciar a concepção artística de Herzog. As cenas parecerão demasiadamente lentas e enfadonhas. É uma pena, mas é o preço a pagar. Porém, para quem sabe que a arte não se conquista sem muito esforço, Coração de Cristal é uma aula de bom cinema.

O link para download no Blog Laranja Psicodélica:

http://laranjapsicodelica.blogspot.com/2010/05/coracao-de-cristal-1976.html


.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Sócrates de Roberto Rosselini


Sócrates é um filme produzido pela RAI, filmado na Espanha, falado em italiano e dirigido por Roberto Rosselini. O filme inicia com Atenas tomada pelo governo dos 30 de Lisandro. Os aristocratas gregos discutem os erros de Alcebíades em sua campanha na Sicília enquanto bebem e comem fartamente com os escravos servindo-os. A discussão, de fato, trata do antigo antagonismo entre Esparta, agora dominante, e Atenas, a terra dos pensadores.

Na cidade, os espartanos começam a distribuir comida para o povo e é aí que aparece a figura de Sócrates sendo escorraçado por um estrangeiro. Seus amigos vão auxiliá-lo e perguntam por que ele não leva o desaforado para o tribunal. Sócrates responde: “Não posso me chatear por levar um coice de um burro. Além do mais, é difícil levar um burro para o tribunal”.

O Sócrates de Rosselini é sarcástico, ácido e possui uma língua rápida. Isso atrai os jovens atenienses que abandonam seus pais para seguir o velho filósofo. Os atenienses começam a desconfiar de suas doutrinas e o que elas causam nos jovens que passam a agir de um modo diferente da tradição. Quando os atenienses conseguem retomar o poder, surgem questionamentos sobre a influência de Sócrates na cidade, o que descambará no famoso julgamento de Sócrates e na sentença máxima: morrer envenenado bebendo cicuta.

Porém, antes do julgamento, Rosselini nos brinda com cenas cotidianas do pensador. Uma das melhores é quando Sócrates retorna para sua casa e se encontra com sua esposa, Xantipa. Ela é famosa por ser feia, rabugenta, mandona e desequilibrada. Quando Sócrates entra na sala, ela começa a reclamar que há dois dias ele não aparece e não pensa nos filhos que estão passando fome. Ela fica indignada com Sócrates por este não agir como os Sofistas que vendiam seus conhecimentos para os filhos dos senhores ricos de Atenas. Sócrates diz que o seu conhecimento não se vende.

Num de seus diálogos, Sócrates discute a questão da felicidade e afirma que ser feliz é ser justo. Ser rico e poderoso não é indicação de felicidade para Sócrates (Nietzsche dizia que Patão, e, portanto Sócrates, foram para o Egito, mas não aprenderam com os egípcios, mas sim com os judeus que viviam lá). O conhecimento do bem, sim.

Rosselini recheia o filme com diversas citações retiradas dos Diálogos de Platão. Isso enriquece e dá uma dinâmica interessante ao filme. Uma dessas passagens é a célebre afirmação de Platão de que a escrita prejudicaria a memória dos homens que não procurariam mais o conhecimento dentro de si, mas no exterior.

Por fim, Rosselini junta dois Diálogos de Platão: Apologia de Sócrates e Fédon. No primeiro, temos a defesa de Sócrates diante do tribunal ateniense que o acusa de corromper a juventude e, no segundo, o momento em que Sócrates, antes de tomar a cicuta, explana sobre sua teoria da imortalidade da alma, bebendo a cicuta sem medo algum da morte.

O filme vale a pena tanto para aqueles que já leram Platão quanto para quem não conhece nada de Platão. O Sócrates de Rosselini é um bom começo.

O link para download no Blog Café Filosófico:

http://filosofiacomcafe.blogspot.com/2009/01/scrates-socrate-1971-rmvb.html




.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O Amor e a Fúria de Lee Tamahori


Os países do Novo Mundo passaram por um processo muito semelhante de invasão, perda da identidade cultural, novas influências culturais e a tentativa de redescobrir a essência perdida. O filme O Amor e a Fúria relata este processo de tentar encontrar esta essencialidade perdida. O enredo nos conta sobre uma família comum de Auckland, Nova Zelândia, e os conflitos que são gerados pelo confronto entre a cultura do colonizador e a cultura do colonizado.

A família Heke – pai, mãe e cinco filhos – vive numa área pobre da cidade e convive diariamente com os problemas da cidade grande. A matriarca, Beth Heke, é uma mulher de fibra, corajosa e apaixonada por sua família. Ela abandona sua tradição maori para viver com Jake Heke e constituir família.

Jake é um homem truculento, brigão e que perde o emprego, passando a viver da assistência social. Quase todo o dinheiro é gasto em farras homéricas que Jake faz com seus amigos em sua casa. Quando Beth se antagoniza com o marido, este a espanca. Depois, eles se reconciliam. Há um elemento conhecido aqui: a violência doméstica, as relações amorosas e o choque entre sentimentos tão díspares entre si.

Os filhos de Jake começam a sentir este choque e suas vidas começam a sofrer pequenas transformações. O mais velho entra para uma gangue como maneira de se afirmar, a filha mais velha vive envolta em seus devaneios e escrevendo suas experiências no seu diário e um dos mais novos começa a estudar numa escola que busca manter viva a tradição maori entre os jovens neozelandeses.

Há alguns elementos que tornam este filme interessante: 1. A intensidade das cenas de violência quando Jake está embriagado ou quando começa uma briga gratuita num bar apenas para extravasar suas frustrações ou se firmar entre os seus; 2. As cenas da escola em que podemos ver as danças e lutas maori e o espírito ancestral desta tradição que são muito bem filmadas e 3. A cena mais forte do filme e que nos remete para o estupro de Irreversível: a filha de Jake é estuprada por um de seus tios que sempre andava com ele em suas noitadas.

A menina se enforca por não agüentar a humilhação de tal violência. Quando o pai descobre o que realmente aconteceu – descoberta revelada através da leitura do diário da filha – há uma explosão de violência tão intensa quanto aquela que Santino, no poderoso Chefão, comete contra seu cunhado que espancava sua irmã.

Estes fatores acima, assim creio, valem a recomendação. O link para download no Torrent:

http://www.torrenthound.com/hash/1777a999c3f6f837a00e5cb5308e6ef3cf8d0081/torrent-info/Once-Were-Warriors-1994-DVDrip-XviD-Legendado-PT-Memb-avi


.

domingo, 8 de agosto de 2010

Muralhas do Pavor de Roger Corman


Vicent Price é um ator que consegue imprimir uma verve teatral ao cinema. Seus personagens são sempre novos, vividos com uma intensidade tão sincera que seus filmes parecem se concentrar, antes de tudo, em suas interpretações. Podemos perceber esta assertiva em filmes como O Abominável Dr. Phibes, A Casa do Terror, Museu de Cera e Teatro da Morte.

Esta intensidade fica ainda mais evidente quando ele trabalha ao lado de Boris Karloff e Peter Lorre. Entre esses clássicos dos filmes de terror estão Farsa Trágica e O Corvo. Price é conhecido por trabalhar em filmes que são adaptações dos contos de Edgar Allan Poe. Os mais conhecidos são A Queda da Casa de Usher, A Máscara da Morte Vermelha e O Poço e o Pêndulo.

Entretanto, há um filme em particular que culmina a inventividade de Price diante do universo de Poe. O roteirista Richard Matheson e o diretor Roger Corman decidiram fazer um filme que contasse quatro estórias de Poe. O resultado foi o filme Muralhas do Pavor. Na verdade, o segundo conto do filme é uma adaptação livre de Matheson para dois contos de Poe: O Gato Preto e O Barril de Amontillado. O primeiro conto é Morella e o terceiro é O Estranho Caso do Sr. Valdemar.

A atmosfera de horror inglês e gótico do século XIX é muito bem construída e as três estórias do filme parecem realmente sair das páginas de Poe. Mas é no segundo conto quando o gênio de Price se encontra com Lorre que temos umas das melhores sequencias filmadas inspiradas em Poe.

Price interpreta Fortunato Luchresi, um grande conhecedor de vinhos e casado com Annabel, uma esposa pra lá de infiel (rima infame e inevitável!). E Lorre é Montresor Herringbone, um bêbado inveterado, bonachão e sempre à procura de mais uma taça. Annabel conhece Herringbone, apaixonam-se e Luchresi, ao descobrir o affair, os empareda, livrando-se da esposa infiel e do amigo indesejado.

Mas o que paga mesmo o filme – além de tantas outras qualidades – é quando Luchresi está numa reunião de amantes do vinho. Herringbone aparece na taverna caçoando dos conhecimentos técnicos daquela estranha confraria sobre vinhos. Luchresi desafia Herringbone para saber quem mais entende de vinho. Só mesmo assistindo para entender a criatividade da cena. Canastice, bom humor e humor negro andando de mãos dados.

A indicação já vale por termos Price e Lorre dirigidos por Corman. Faltou Karloff – mas ele foi “substituído” magistralmente por Basil Rathbone.

O link para download no Blog Deadly Movies:

http://deadlymovies.blogspot.com/2009/07/muralhas-do-pavor.html


.