quinta-feira, 17 de junho de 2010

Freud Além da Alma de John Huston


A Natureza, vez ou outra, nos brinda com indivíduos de uma potência tão gigantesca que suas rápidas passagens aqui na Terra deixam uma impressão imorredoura. Bukowski chamava este poder de estilo. Estilo que se finca na História e faz com que nós, meros mortais, queiramos seguir este ou aquele indivíduo. Queremos ter a vida deles, a iluminação deles, a inteligência ou paixão deles. Mas, mesmo que haja apenas admiração, é esta marca tempestuosa do indivíduo de poder que risca a História e escreve com uma tinta indelével seu nome em suas páginas de tempo.

No meu conto A Lista Maldita escrevi: “Sempre acreditei no indivíduo e não no coletivo. Isso não quer dizer, contudo, que eu acredite no individualismo. Não é isso. Nenhuma sociedade chegou a evoluir, e por isso mesmo revolucionar seus antigos preceitos, graças a ações fomentadas no seio do coletivo. Não, foi o indivíduo, essa força deslumbrante da Natureza quem rompeu com os grilhões que o esmagava, doando-se ao coletivo que tinha a partir de então uma referência superior, um novo modus operandi capaz de guiá-lo e conduzi-lo, ou não, às suas aspirações superiores. O mundo é um lugar interessante e está cheio dessas almas capazes de solidificar suas vontades sobre todo um bloco concreto denominado coletivo. Somos obrigados a afirmar isso mesmo em frente ao mais irascível materialista ou revolucionário, seja lá o que esses dois termos possam significar. Se nossa teoria repercutir de forma negativa, somos obrigados a evocar as figuras de Marx, Mao, Fidel, Lenin, Guevara e Stalin que são a imagem invertida deste espelho sublime que é o indivíduo pleno de si mesmo. Tudo o que é pleno em si mesmo é luz e transformação”.

Pleno em si mesmo. Creio que esta alcunha vale para Sócrates, Platão, Buda, Jesus, Maomé, Alexandre, Agostinho, Aquino, Bacon, Shakespeare, Da Vinci, Dante, Descartes, Kant, Nietzsche, Picasso, Einstein, etc. A lista maldita é enorme! Freud também figura nesta lista. O que acredito ser mais interessante em todos estes senhores foi uma coragem quase inabalável de acreditarem mais em si mesmos do que nas tradições que os precederam. São homens da mudança, da coragem, da profundidade. Freud teve que lutar contra uma tradição inteira para defender suas ideias.

Assim como Buda, Jesus e Maomé – indivíduos que “fundaram” novas religiões exatamente por acreditarem que seus ideais eram mais poderosos do que as tradições anteriores, o solo em que estas poderiam ter germinado – Freud inaugura um pensamento original e profundo sobre o ser humano: a psicanálise. Giordano Bruno, Galileu e Copérnico já haviam desferido um terrível golpe contra nossa vaidade: não somos mais o centro do Universo. Nietzsche, com o seu Zaratustra, também nos mostra que forças inconscientes regem aquilo que acreditamos ser nossa consciência. A supremacia da subjetividade é posta em xeque.

Freud alarga esta visão de Nietzsche e nos empurra para o universo sombrio e profundo do Id. Explica-nos a formação do nosso Ego e diz que a moral, inimiga declarada dos nossos desejos, opera na esfera do Superego. Mas as teorias de Freud não são frutos apenas de elucubrações filosóficas. O próprio Freud sofre de histeria e seu complexo de Édipo quase o obriga a deixar suas pesquisas de lado.

É esta luta contra si mesmo, as descobertas de seus recalques, a sua formação como intelectual e psicanalista, seus estudos com Charcot e Breuer que o filme de Huston narra. O roteiro de Sartre – completado por Charles Kaufmann e Wolfgang Reinhardt – é brilhantemente adaptado por Huston nesta produção de 1962. A intensidade das personagens, a densidade das descobertas de Freud, a filmagem das cenas oníricas que prezam por uma atmosfera que escapa do real e ornamentam a própria realidade, a concisão dos diálogos e uma ambientação peculiar e extremamente bela conferem a este filme uma riqueza ímpar. Claro que, antes de tudo, estamos falando de John Huston, o que, por si só, já valeria a recomendação. Huston quer nos apresentar um Freud humano – distante do mito e mais perto do homem comum que sofre e ama. Freud, entretanto, salta sobre tudo isso e sobre si mesmo e inaugura, então, a originalidade de seu pensamento. Daí sua grandiosidade.

O link para o download do filme no Blog Filosofia e Cinema Transversal:

http://filocine.blogspot.com/2009/09/freud-alem-da-alma-1962.html


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